MP 1303: Entre a isenção preservada e o fantasma do regime de competência nos fundos imobiliários

A Medida Provisória 1303/2025, apresentada em junho como parte do esforço governamental para recompor receitas, trouxe alívio e preocupação em doses equivalentes para o mercado de fundos imobiliários brasileiro. O relatório do deputado Carlos Zarattini (PT-SP), divulgado em 24 de setembro, manteve a isenção tributária para os rendimentos distribuídos aos cotistas pessoa física, mas introduziu mudanças estruturais que podem alterar significativamente a dinâmica de distribuições dos FIIs.

A preservação da isenção fiscal representa uma vitória importante para os mais de 2 milhões de investidores do setor. Fundos com mais de 100 cotistas, negociados em bolsa e respeitando os limites de concentração individual e familiar, continuarão distribuindo rendimentos sem incidência de imposto de renda para pessoas físicas. Adicionalmente, o ganho de capital foi reduzido de 20% para 17,5%, e os CRIs e CRAs permaneceram isentos, mantendo a coerência tributária do ecossistema imobiliário.

O novo paradigma contábil

A mudança mais significativa reside na revogação do parágrafo único do artigo 10 da Lei 8.668/93, que estabelece a distribuição obrigatória de 95% dos lucros apurados pelo regime de caixa. Em seu lugar, o artigo 44 da MP institui que as distribuições devem respeitar o limite de lucros apurados segundo o regime de competência. Essa alteração técnica, aparentemente simples, pode gerar consequências práticas complexas.

No regime de caixa atual, os fundos distribuem com base no dinheiro efetivamente recebido. No regime de competência, o lucro é apurado quando surge o direito ou a obrigação, independentemente do recebimento ou pagamento. Para fundos de tijolo, isso significa que reavaliações patrimoniais negativas poderiam impactar temporariamente as distribuições, embora existam mecanismos contábeis que permitam lançar essas variações em resultados abrangentes, preservando a capacidade distributiva.

Fundos de recebíveis enfrentariam desafios distintos. Variações na curva de juros, hoje ignoradas pelo regime de caixa, passariam a afetar o resultado contábil. Um CRI com carência de juros, por exemplo, geraria lucro contábil mensal sem entrada de caixa correspondente. Em caso de inadimplência posterior, o fundo teria distribuído lucros que nunca se materializaram em recursos.

FOFs: a classe mais vulnerável

Os Fundos de Fundos emergem como a categoria mais exposta às mudanças. Como investem em cotas negociadas em bolsa, classificadas contabilmente como disponíveis para negociação, todas as oscilações de preço impactariam diretamente o resultado. Um FOF com prejuízo acumulado poderia ficar impedido de distribuir rendimentos isentos até recuperar o resultado positivo.

Especialistas do setor apontam que alguns administradores já desenvolveram práticas contábeis que mitigam esses efeitos, mas a adoção dessas metodologias não é uniforme no mercado. A ausência de regras de transição na MP agrava a situação: fundos com prejuízos acumulados poderiam enfrentar restrições imediatas às distribuições caso a medida seja aprovada.

Contexto político e perspectivas

A tramitação da MP ocorre em ambiente político complexo. A bancada ruralista já sinalizou resistência à tributação de 7,5% sobre LCAs, ameaçando a viabilidade política da medida. Com prazo até 11 de outubro para votação, sob risco de caducidade, as negociações intensificam-se. Entidades do setor mobilizam-se para propor emendas que preservem o regime atual ou estabeleçam regras de transição adequadas.

O mercado observa com cautela. Embora a manutenção da isenção tributária seja positiva, a mudança para o regime de competência introduz incertezas operacionais significativas. Gestores precisarão adaptar estratégias, administradores revisarão práticas contábeis, e investidores deverão compreender que a previsibilidade mensal dos rendimentos, característica histórica dos FIIs, pode dar lugar a distribuições mais voláteis, ainda que potencialmente preservadas no longo prazo.

A MP 1303 ainda está em discussão e pode ser alterada. Caso não seja votada até 8 de outubro, perderá validade. Se aprovada, as novas regras contábeis devem entrar em vigor imediatamente, enquanto mudanças tributárias em renda fixa só valeriam para títulos emitidos a partir de janeiro de 2026.

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