Movimento de incorporações cria fundos bilionários e aproxima o Brasil do padrão internacional
O mercado de fundos imobiliários (FIIs) brasileiro passa por uma transformação silenciosa, mas profunda. Nos últimos meses, uma onda de fusões e consolidações vem redesenhando o setor, criando veículos bilionários e reduzindo o número de opções disponíveis para o investidor. O movimento, que ganhou força em 2024 e se intensificou em 2025, aproxima o Brasil do padrão observado em mercados mais maduros, como o americano.
Segundo dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), o mercado brasileiro contava com 1.149 fundos imobiliários em setembro de 2025, com patrimônio líquido total de R$ 368,8 bilhões. Nos Estados Unidos, por outro lado, existem cerca de 200 REITs (equivalentes aos FIIs) com patrimônio superior a US$ 50 trilhões. A diferença é gritante e ajuda a explicar por que gestoras brasileiras estão apostando na consolidação.
Por que tantas fusões agora?
A resposta está no ambiente macroeconômico. Com a Selic em patamares elevados (atualmente em 15% ao ano), fundos menores enfrentam dificuldades crescentes para captar recursos e competir com produtos de renda fixa que oferecem retornos atrativos sem os riscos do mercado imobiliário.
"O tamanho dos fundos mudou. Hoje o mercado tem fundos de mais de R$ 7 bilhões. Com isso, fundos pequenos, que para mim têm menos de R$ 1 bilhão, acabam ficando mal precificados no mercado porque há poucos investidores comprando e vendendo", explica Bruno Nardo, gestor de multiestratégia da RBR Asset.
Rodrigo Abbud, CEO de Real Estate do Patria Investimentos no Brasil, compartilha dessa visão: "O mercado caminha para uma situação em que fundos grandes acabam tendo mais méritos para os gestores e para os investidores. Se um ativo caiu ou teve algum problema, machuca menos o fundo maior."
De FoFs para multiestratégia
Uma das principais tendências observadas é a migração de fundos de fundos (FoFs) para fundos multiestratégia, também conhecidos como hedge funds imobiliários. A diferença é significativa: enquanto os FoFs estão limitados à compra de cotas de outros FIIs, os multiestratégia podem investir diretamente em imóveis físicos (galpões, shoppings, lajes comerciais), títulos de renda fixa imobiliária, ações de empresas do setor e até cotas de outros fundos.
"É uma caixa de ferramentas mais completa, um canivete suíço com várias funcionalidades. O multiestratégia te dá essa potência toda", resume Vitor Duarte, diretor de investimentos da Suno Asset.
Essa flexibilidade permite que os gestores aproveitem melhor as oportunidades de mercado e protejam o patrimônio dos cotistas em momentos de turbulência. Além disso, a consolidação em fundos maiores traz ganhos de escala, reduz custos operacionais e aumenta a liquidez das cotas negociadas em bolsa.
Exemplos práticos de consolidação
O movimento já produziu casos concretos. Em 2024, o BTG Pactual incorporou o BTG Fundo de Fundos (BCFF11) ao BTG Pactual Real Estate Hedge Fund (BTHF11), uma das primeiras operações desse tipo no mercado brasileiro.
Em 2025, o Patria Investimentos realizou a incorporação de dois fundos de fundos (HGFF11 e BPFF11) pelo RVBI11, um fundo multiestratégia. Com isso, o RVBI11 se tornou o segundo maior hedge fund do mercado, com cerca de R$ 1,3 bilhão em ativos sob gestão.
A RBR Asset também está em processo de fusão entre o RBRF11 e o RBRX11, com conclusão prevista para novembro de 2025. O patrimônio do fundo resultante deve chegar perto de R$ 1,5 bilhão. Já a Suno Asset iniciou em setembro a consulta aos investidores sobre a incorporação do SNFF11 pelo SNME11, que deve alcançar R$ 400 milhões após a operação.
A Iridium Gestão também conduz uma operação complexa: a incorporação do IRDM11 pelo IRIM11. Com patrimônio de R$ 2,9 bilhões e 269 mil cotistas, o IRDM11 acumulava prejuízo contábil de R$ 386 milhões em sua carteira até junho de 2025. A solução foi transferir os ativos para o IRIM11, fundo com mandato mais flexível, permitindo um "reset" dos preços médios. A operação, porém, envolve complexidade tributária: trata-se de um resgate parcial em cotas e parcial em dinheiro, com ganhos de capital sujeitos à tributação de 20% na fonte.
O que isso significa para o investidor?
Para quem investe em FIIs, a consolidação traz benefícios e desafios. Do lado positivo, fundos maiores tendem a ter mais liquidez (facilidade para comprar e vender cotas), custos operacionais menores e acesso a melhores oportunidades de investimento. Além disso, a diversificação de ativos dentro de um único fundo reduz o risco de perdas significativas caso um imóvel ou inquilino específico enfrente problemas.
Alguns investidores podem se sentir "invadidos" ao ver seus fundos incorporados sem que tenham escolhido ativamente essa mudança. Embora as fusões dependam de aprovação em assembleia de cotistas, a decisão final costuma ficar nas mãos dos grandes investidores institucionais.
Durante o processo de fusão, normalmente os investidores precisam declarar o custo de aquisição de suas cotas para evitar pagar impostos indevidos. "Se não for declarado pelo investidor o seu preço de custo, eventualmente o cotista irá pagar um imposto com base no que o administrador vai declarar de retenção", alerta Bruno Nardo.
Ainda há espaço para fundos menores?
A resposta é sim, mas com ressalvas. Fundos menores podem sobreviver se tiverem estratégias muito específicas, ativos de alta qualidade ou nichos pouco explorados. Segundo Isabella Almeida, gestora de fundos imobiliários da Rio Bravo, "fundos menores podem se destacar se tiverem ativos de qualidade e boas estratégias, mesmo com o chamado 'penalty' de liquidez."
Rodrigo Possenti, head de FIIs da Fator Gestão, é mais cético: "Hoje ninguém consegue captar se não for grande. IPO não tem quase demanda, a não ser que seja algo muito diferente, e não temos visto isso." Ele acredita que, com o tempo e novas quedas na taxa de juros, o mercado possa voltar a abrigar veículos menores com mais sucesso.
Setores com potencial de crescimento
Apesar do cenário desafiador, especialistas identificam segmentos com grande potencial para novos fundos ou expansão dos existentes. Data centers, ativos ligados à saúde e residenciais para renda (multifamily) são nichos que ainda têm baixa representatividade no mercado brasileiro, mas podem ganhar tração à medida que se estruturam.
Os fundos de crédito imobiliário (CRIs) também são vistos como oportunidades interessantes, especialmente em um ambiente de juros altos. "Crédito é um excelente lugar para proteger o capital e planejar o futuro. É um setor que eu aloco bastante", afirma Bruno Nardo.
Comparação com mercados maduros
A consolidação no Brasil segue um caminho já trilhado por mercados desenvolvidos. Nos Estados Unidos, por exemplo, o setor de REITs passou por um processo semelhante nas últimas décadas, resultando em um número menor de fundos, mas com patrimônios muito maiores e maior eficiência operacional.
"Daqui a cinco anos, talvez a gente vai ter umas 10, 20 maiores gestoras e uns 10, 20 maiores fundos", projeta Rodrigo Abbud. Ele compara o movimento ao que aconteceu em outros setores da economia, como o bancário, farmacêutico e educacional, onde grandes players consolidaram o mercado por meio de fusões e aquisições.
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